Lá fora chove. A água cai do céu de uma forma que assustaria alguem que não conhecesse a chuva. Pingos grossos e fortes caem violentamente, ricocheteando no chão de asfalto e escorrendo pelas bordas da rua. As pessoas correm apressadas com seus guarda-chuvas pretos e coloridos, e suas capas e suas botas e em alguns casos, suas roupas molhadas. As portas se abrem de par em par, e mais uma figura encolhida entra no recinto, sacudindo inútil e esperançosamente a água dos ombros e braços, como se isso fosse deixa-lo mais seco. Por fim contenta-se. Levanta os olhos e procura sem resultados algum lugar vago. Senta-se então ao bar para esperar. Pede com um gesto uma bebida forte qualquer e ali fica, absorto em seus pensamentos. Nos seus ouvidos ecoa, cada vez mais presente, o som de uma canção familiar.
"You're just too good to be true..."
Ele ouve e solta o ar violentamente pelo nariz, mantendo a boca fechada, numa manifestação bem conhecida de ironia e sarcasmo. Seus olhos procuram no infinito uma reminiscência, uma imagem qualquer.
"Can't take my eyes off you..."
Teria sido diferente, se pergunta, caso não tivesse tirado os olhos dela? teria ela ficado se não fosse tão distante? Ou teria o destino conduzido tudo inevitavelmente para o mesmo fim? São perguntas que nunca serão respondidas, e ele tem consciência disso, mas não consegue evitar pensar nisso, os olhos fixos no resto amarelado ao fundo do copo.
"You'd be like heaven to touch, I wanna hold you so much..."
O bartender enche o copo de novo, complacente com aquela figura desconhecida, mas costumeira. Não o olha, mas sabe que tipo de pensamentos rolam nas ondas tempestuosas da memória. Já viu muitas vezes os mesmo olhos tristonhos e perdidos, em muitos semblantes, sempre a mesma dor, sangrando por dentro por motivos vários. E ele, pensa na pele macia que seus dedos acariciaram durante horas intermináveis, que o enlouquecia ponto de querer arrancar os olhos, para sentí-la apenas com o tato. Como se fosse uma maldita escrita em Braille. Lá fora a chuva cai. E a música corre como as memórias no seu pensamento.
"Pardon the way that I stare..."
As unhas curtas da mão direita arranham levemente o tampo do balcão, a esquerda no copo e os olhos em lugar algum. Ela costuma rir e perguntar o que tanto olhava. Ele sorria e respondia: "você". Ela pedia que parasse, ele concordava, mas logo estava olhando de novo. Perscrutando cada centímetro dela, cada onda e reflexo do cabelo, cada curva do seu rosto. Não podia parar, nunca conseguia, apenas ficava ali hipnotizado pela sua alegria.
"There's nothing else to compares..."
Realmente. Nada, nem ninguém podia ser comparado. Sua unicidade era uma verdade absoluta. Nada chegava perto de ser comparado. O resto do mundo parecia fosco e desfocado desde que a conhecia. O único brilho era ela, o centro do universo. Ninguém mais existia sequer. Só ela.
"The sight of you makes me weak..."
Riu. O mais próximo de uma palavra que dissera até então. Se alguma vez fora forte, foi com ela ao seu lado. Mas agora percebia o quanto tinha sido fraco. Cada vez que a via era como se todas suas defesas deixassem de existir. Uma cidade sem muros, uma casa sem cerca. Uma rosa sem redoma, apenas espinhos para proteger dos tigres.
"There are no words left to speak..."
Nunca pode explicar com palavras o que sentia. Tentava e tentava, mas não conseguia. As palavras secavam em sua boca, antes que as pudesse dizer. Teria que ser o melhor poeta de todos os tempos para encontrar uma forma de dizer o que corria dentro de sua alma.
"I love you baby, trust in me when I say..."
Como a amara. Nunca amara ninguém dessa forma. Quiçá nunca amara realmente até aquele dia quando pousou sua mão sobre a dela. Jamais saberia. O que é o amor? Agora nunca saberia. Esqueceria. Alguma coisa apertava e amargava no seu peito. Sentia-se rasgado por uma dor que nada curaria.
"Oh, pretty baby, now that I found you, stay
And let me love you, baby.
Let me love you..."
Repetiu o último verso, imaginando mil razões que não lhe permitiram a amar. Mas a verdade, se existe tal coisa, é que ela agora queria outro amor, não o dele. Colocou uma nota velha e amassada embaixo do copo, a música ainda ecoando em seus ouvidos cansados, e com os olhos cheios de ontem, abriu as portas de par em par e saiu.
Lá fora ainda chove.
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Por que nao:)
Postar um comentário